O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa cinco anos nesta terça-feira (14) e segue sem resposta sobre o mandante do crime. As investigações levaram à prisão de dois executores: o policial militar reformado Ronnie Lessa, por ter atirado na vereadora; e o motorista e ex-policial militar Élcio de Queiroz. Os motivos e os líderes do atentado permanecem desconhecidos.
“Já se passaram cinco anos: é muito tempo”. O desabafo é de Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, e resume o sentimento de familiares, amigos, ativistas, e de qualquer pessoa indignada com o crime. “Hoje, o mundo inteiro quer saber quem mandou matar Marielle. Isso não é uma questão a ser resolvida apenas para a família”, complementa a mãe. Clique aqui e siga nosso canal no WhatsApp.
O próprio processo de investigação passou a ocupar um lugar central no noticiário. A Polícia Civil teve cinco delegados responsáveis pelo caso na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. No Ministério Público Estadual, três equipes diferentes atuaram no caso durante esses anos.
A última mudança aconteceu há 10 dias, quando o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, escolheu sete novos promotores para integrar a força-tarefa coordenada por Luciano Lessa, chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). As trocas constantes de comando receberam críticas de familiares e movimentos sociais nesses cinco anos, e levaram a suspeitas de obstrução nas investigações.
Em maio de 2019, a Polícia Federal apontou que foram dados depoimentos falsos para dificultar a solução dos homicídios. Procuradoras abandonaram o caso em julho de 2021, com a afirmação de que houve interferência externa na investigação. Clique aqui e siga nosso canal no WhatsApp.
O novo comando do MPRJ disse estar comprometido em “não chegar a uma conclusão açodada, divorciada da realidade, mas de realizar um trabalho técnico e sério, voltado para identificar todos os envolvidos”. Sobre os mandantes e o motivo dos assassinatos, afirma que as dificuldades são maiores por ser “um crime onde os executores são profissionais, que foram policiais militares, que sabem como se investiga”.
Prisões
O avanço mais consistente no caso aconteceu em março de 2019, quando Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa foram presos no Rio de Janeiro. O primeiro é acusado de ter atirado em Marielle e Anderson, o segundo, de dirigir o carro usado no assassinato. Quatro anos depois, eles continuam presos, mas não foram julgados. Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Rio informou que é esperado “o cumprimento de diligências requeridas pela promotoria e pela defesa para que seja marcada a data do julgamento”. Clique aqui e siga nosso canal no WhatsApp.
Sobrevivente
Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle Franco, foi a única sobrevivente do atentado. Ela estava no carro quando a parlamentar e o motorista foram atingidos. Fernanda diz que apenas o delegado que assumiu o caso entre 2018 e o início de 2019, Giniton Lages, a chamou para prestar depoimento. Ela só voltou a ser procurada em janeiro desse ano pelo Ministério da Justiça, quando participou de uma reunião com assessores da pasta.
“Você chegar a cinco anos sem que se tenha levado adiante o julgamento dos que estão acusados e presos por conta do assassinato? Sem ter uma investigação que leve aos mandantes? É muito humilhante, eu acho que é vergonhoso para o Estado não entregar essa resposta. O Rio de Janeiro, quando a Marielle foi assassinada, estava sobre intervenção federal, militarizado. No centro da cidade, do lado da Prefeitura, as vias eram cobertas por câmeras. E cinco anos depois você não tem um avanço. Giniton saiu do caso, as promotoras deixaram o caso alegando interferência. Isso é gravíssimo”, acusa.
Inquérito federal
A reunião de Fernanda marca uma mudança de postura do governo federal em relação ao caso. A federalização das investigações esteve em pauta desde o início e chegou a constar em um pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em setembro de 2019. A tentativa não avançou após proibição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do desinteresse do governo federal na época e da preocupação dos familiares.
Em fevereiro desse ano, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Polícia Federal (PF) abrisse um inquérito paralelo para auxiliar as autoridades fluminenses. Ontem (13), o ministro disse que o caso é uma prioridade da corporação e que pretende identificar todos os envolvidos. Clique aqui e siga nosso canal no WhatsApp.
“O que eu posso afirmar é que o trabalho está evoluindo bem. Mas é claro que, sobre o resultado, nós teremos nos próximos meses a apresentação dos investigadores daquilo que foi possível alcançar. Não é possível nesse momento fixar prazos, nem que momento isso finalizará. Mas eu posso afirmar que há prioridade, há uma equipe dedicada na Polícia Federal só para isso e eu tenho, sim, a expectativa e a esperança, que é de todos nós, que a PF vai ajudar a esclarecer definitivamente esse crime”.
Esperanças renovadas
Meia década de tristeza, angústia e ansiedade. Mas não de desistência. É dessa forma que amigos e familiares renovam as esperanças de que, com o apoio de diversos setores da sociedade civil, não será preciso passar mais um ano sem a resposta sobre “Quem mandou matar Marielle?”.
“Infelizmente, a gente vive em um país onde muitas pessoas são assassinadas e seguem sem saber quem mandou matar e o porquê. Mas eu acho que o Brasil merece dar essa resposta para democracia”, diz Anielle Franco, irmã da vereadora e ministra da Igualdade Racial.
“Eu preciso acreditar nas instituições, eu preciso acreditar que esse resultado vai ser apresentado. Eu não posso acreditar em um país que tenha autoridades e instituições funcionando, em um Estado Democrático de Direito, que não entrega essa resposta. Eu preciso acreditar nisso, eu tenho esperança”, diz Fernanda Chaves. Clique aqui e siga nosso canal no WhatsApp.
“Eu entendo hoje que fazer justiça por Marielle não tem só a ver com o final de um inquérito. Isso o Estado brasileiro deve à família e à sociedade”, defende Mônica Benício, viúva de Marielle. “É a gente poder viver numa sociedade onde ‘Marielles’ não sejam assassinadas, mas possam florescer no seu máximo de potência. É a gente ter uma sociedade em que não haja racismo, LGBTfobia, machismo. Ou seja, que todos os corpos possam viver e ter igualdade de direitos, que todas as vidas possam importar igualmente aos olhos do Estado e aos olhos da sociedade. Quando a gente tiver essa sociedade, fizemos justiça por Marielle”.
Cronologia do caso
– 14 de março de 2018: Marielle Franco e Anderson Gomes são assassinados.
– 15 de março de 2018: Giniton Lages assume a Delegacia de Homicídios do Rio e o caso.
– 21 de março de 2018: O MPRJ escolhe um grupo de promotores para a apuração do crime.
– 1º de setembro de 2018: Entra no caso o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ). Acontece a primeira troca de promotores do MPRJ.
– 25 de setembro de 2018: Orlando Curicica, encarcerado no Presídio Federal de Mossoró por crimes ligados à milícia, menciona o ‘Escritório do Crime’ para os investigadores. Uma testemunha cita o vereador Marcello Siciliano por suposto envolvimento na morte de Marielle. Siciliano foi preso, mas o envolvimento dele foi descartado depois.
– 11 de outubro de 2018: Investigações do MPRJ identificam biotipo do executor do crime e rastreiam novos locais por onde circulou o carro usado no crime.
– 11 de março de 2019: A primeira fase de investigações é encerrada. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são denunciados por homicídio doloso.
– 12 de março de 2019: Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa são presos no Rio de Janeiro.
– 25 de março de 2019: Giniton Lages é substituído por Daniel Rosa na Delegacia de Homicídios do Rio.
– 23 de maio de 2019: Polícia Federal aponta que foram dados depoimentos falsos para dificultar a solução dos homicídios.
– 11 de setembro de 2019: A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pede a federalização das investigações.
– 10 de março de 2020: Justiça do Rio determina que Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz sejam levados a júri popular.
– 27 de maio de 2020: Superior Tribunal de Justiça (STJ) nega a federalização das investigações.
– 17 de setembro de 2020: Delegado Daniel Rosa deixa o caso. Moisés Santana assume o lugar dele.
– 05 de julho de 2021: Terceira troca na Delegacia de Homicídios: sai Moisés Santana, entra Edson Henrique Damasceno.
– 02 de fevereiro de 2022: Quarta troca: Edson Henrique Damasceno é substituído por Alexandre Herdy.
– 30 de agosto de 2022: Supremo Tribunal Federal (STF) nega recursos das defesas de Ronnie Lessa e Élcio Vieira, e mantém decisão sobre júri popular.
– 22 de fevereiro de 2023: O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anuncia abertura de inquérito da Polícia Federal para investigar assassinatos.
– 04 de março de 2023: MP do Rio define novos promotores do caso Marielle Franco.