Utilizando uma roupa característica dos guardadores credenciados e ligados a sindicatos que têm permissão para explorar a Zona Azul em Salvador, um homem informa aos motoristas que estacionam, no período da tarde, na Rua Eduardo José dos Santos, próximo ao Centro Médico Empresarial (CME), na Garibaldi, que o sistema está fora do ar e a máquina não está imprimindo o ticket. Cobra R$ 3 por duas horas e “tranquiliza” os condutores que a Transalvador está “ciente” da situação e que não “há risco de multas” em decorrência disso. O relato, similar, é de cinco motoristas que foram autuados por agentes da autarquia da prefeitura, responsável por gerir o trânsito e os estacionamentos públicos de Salvador. A infração, considerada grave, rende multa de R$ 195,23 mais perda de 5 pontos na carteira de habilitação.
“Estacionei meu carro para ir ao médico. Fiz o pagamento, por duas horas, e o guardador me deu essa informação. Acreditei nele, dias depois recebi a notificação em casa”, relata uma das vítimas. “O guardador me informou que o sistema estava fora do ar. Perguntei como faria, uma vez que estava sem internet no celular. Ele disse que eu podia pagar o valor relativo às horas que fosse permanecer no local, se o sistema retornasse, faria a emissão do ticket. Sobre a Transalvador, ele disse que ela tinha ciência do problema naquela tarde. Acreditei na palavra e na boa fé dele, em se tratando de um profissional, aparentemente, credenciado. Mas fui multado e estou recorrendo dessa injustiça”, afirmou o jornalista Daniel Ferreira, uma das vítimas.
“Cheguei para estacionar na rua e o flanelinha me disse que o sistema estava fora do ar, que a Transalvador estava ciente e que não tinha risco de multa. Quando retornei encontrei o agente aplicando multas nos veículos estacionados”, relata outro motorista, que pede anonimato. “O guardador me disse que a máquina estava com problema, que eu podia ficar tranquilo, que se o sistema retornasse, ele faria o lançamento e eu pegaria o ticket na mão dele quando voltasse. O que recebi foi uma notificação de multa”, relata outro condutor, um senhor de 65 anos. “Eu não tenho celular com internet para fazer o pagamento via digital”, acrescenta.
Os relatos são comuns e as vítimas, possivelmente, inúmeras e diárias. Tudo com o conhecimento da Transalvador, relata Ricardo Silva, outra vítima. Ele conta que ligou para autarquia denunciando a situação.
“O atendente, de prenome Herick, fez o registro. Minutos depois encontrei um agente da Transalvador de prenome Barbosa, com outros colegas aplicando multas nos veículos estacionados. Conversei com ele, que me disse que era comum a atuação desse falso guardador no local, mas que eles não tinham como agir por não ter poder de polícia e temer represálias”, relata. “Isso aqui é rotineiro, sempre depois das 13 horas. A Transalvador tem ciência, mas não toma uma atitude porque pra ela interessa aplicar a multa e arrecadar dinheiro para a prefeitura. Outro dia um senhor retornou armado e correu atrás do guardador. Por sorte, havia muita gente andando aqui, ele atirou pra cima, e o guardador fugiu. No dia seguinte voltou”, conta uma pessoa que trabalha próximo ao posto de gasolina da Petrobrás, região que concentra muitos consultórios médicos.
Em agosto passado, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) acionou na Justiça a Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador) e o Município de Salvador pedindo que o Judiciário proíba a cobrança de multas de veículos estacionados em área de zona azul onde não houver guardadores ou outros encarregados que possam expedir tíquetes de pagamento da tarifa no local pelo usuário. A ação foi ajuizada pela promotora Joseane Suzart. Caso o pedido seja acatado, a Transalvador também deverá garantir que para cada 25 vagas de Zona Azul Digital exista ao menos um guardar durante toda a duração diária do serviço público.
Entre janeiro e maio deste ano, a Transalvador aplicou 233.787 multas, o que garantiu aos cofres da prefeitura R$ 35,2 milhões, a maior arrecadação dos últimos 4 anos realizados pela autarquia com infrações.